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terça-feira, 12 de novembro de 2013

“Não tenho vergonha de ser velha, sou feliz por estar viva!” - Renan Bini

 Aos 78 anos, matriarca de uma típica família brasileira, relata sua trajetória e o que “mudou” no mundo de sua infância até a infância de seus bisnetos.



_ A reportagem vai ser sobre como era antigamente? A situação era muito precária meu filho, o Brasil mudou muito, eu queria ter nascido nessa época pra poder ter estudado e aproveitar melhor a vida.
Em 1935 o país atravessava uma época que foi divisora de águas na política brasileira, com inúmeras alterações sociais e econômicas: A era Vargas (período no qual, Getúlio Vargas governou o Brasil por 15 anos ininterruptos, 1930 a 1945).
Neste mesmo ano, longe dos grandes centros que moviam a economia do país, em Gramados no Rio Grande do Sul, nascia uma mulher numa família tradicional gaúcha, que como muitas foi educada para cumprir o seu “papel social”.
_ Aprendi a tirar leite, limpar a casa e cozinhar para poder casar. Na escola, as meninas daquela época iam apenas até aprender assinar o nome, depois não precisava mais.
A menina casou cedo, começou a namorar com 14 anos, e aos 15 já estava casada:
_ Naquela época era diferente! Não podíamos nem pegar na mão, conversávamos longe um do outro e com alguém sempre vigiando, eu achava que a vida de casada seria igual a de solteira, não tínhamos informação como agora. Hoje em dia as meninas de 7 anos já sabem de tudo, e se os pais não explicam em casa, aprendem na escola.
Ela não queria casar, tiveram até que “dar um chaqualhão” na hora do sim, “me arrependo até hoje”. Pensava que a vida melhoraria, mas viu a fartura de sua casa dar lugar a pobreza:
_ Depois de casar além de cuidar da casa sozinha e ser arrastada para a roça, tinha que comer feijão com canjica, arroz não tinha. Depois com a vinda dos filhos, nem roupas tínhamos para vesti-los, não é como hoje que existem campanhas de doação, aquela época era cada um por si mesmo.
Lembrando do passado, de repente os olhos da simpática senhora lacrimejam. Ela se lembra de como sofria preconceito por ser pobre:
_ Minha terceira filha, quando tinha quatro anos pisou em um copo de vidro e teve uma hemorragia, levei ela ao hospital, mas não queriam atende-la porque eu tinha cara de pobre! O SUS não existia (O programa do governo federal foi criado apenas em 1988), e ela só foi atendida quando desmaiou e uma senhora rica intercedeu por mim! Mas mesmo com atendimento, ao perceber que eu não tinha dinheiro suficiente, o médico arrancou o soro do braço da minha menina com força e preferiu jogá-lo fora.
Além de conviver com a pobreza e a descriminação, a senhora também conta como era maltratada pelo marido:
_ Eu não sabia que ele bebia, até que um dia ele chegou em casa, desmaiou, e vomitou, percebi que estava bêbado pelo cheiro, mas nunca tinha visto nem o meu pai assim. Ele bebia depois do trabalho, às vezes chegava tarde e eu esperando com as crianças famintas. Não podia tocar na comida antes que ele chegasse, me via obrigada a deixar os filhos passarem fome para não ser maltratada.
A vida começou a melhorar com o avanço do país: o desenvolvimento tecnológico (maquinas passaram a auxiliar na produção agrícola que antes era completamente manual; televisão, geladeira e luz elétrica trouxeram mais conforto), mudanças na moral do país e programas inclusivos do governo.
_ Minha filha mais velha ainda sofreu com o machismo do meu marido. Teve que casar sem amor com um “vagabundo”, porque quem ela gostava era desquitado. Mas antes era pior, quando eu era mais jovem, vi uma prima minha ser tratada pior que um cachorro por ter engravidado antes do casamento. O preconceito era muito grande.
De acordo com a senhora, ela e todos seus irmãos poderiam ser ricos hoje, mas o pai dela preferiu “livrar-se de seus 70 alqueires de terra” a aumentá-los (o que era muito fácil na época) e contribuir com todos:
_ Meu pai só gostava de um irmão meu! Os outros ele queria que virassem padre, e as mulheres ele achava que deveriam se virar. Ao ver que minha mãe não concordaria com isso, resolveu se livrar de tudo e vir para o Paraná. Eu não ganhei nada.
Ao ser induzida a comparar o hoje com sua época, ela só não concorda com algumas inversões de valores, mas é a favor da diminuição das desigualdades e no fim do preconceito, e enfatiza:
_ Hoje é muito melhor, tudo é mais fácil. A saúde pública pode ser problemática, mas os pobres são atendidos. As mães tem a gestação acompanhada, (antes morriam muitas), as que precisam trabalhar fora, tem creche para os filhos, e as sem condições ganham leite e bolsa família.

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