Arminda dos Santos, aposentada,
pioneira de Cascavel, com invejáveis 89 anos de disposição, lucidez e na
memória histórias surpreendentes pra contar. Uma delas é a vez que de maneira enérgica,
bateu de frente com um policial. Mas isso contarei mais tarde. Por ora, deixe
apresentá-la. Arminda é natural do estado de São Paulo. As mãos sofridas
denunciam o trabalho calejado em lavouras de café desde os sete anos de idade.
Juntamente com o marido
Francisco – com quem era casada desde os 21 anos de idade – e mais sete filhos
formavam o lado mais fraco da corda nos conflitos entre jagunços, grileiros e
posseiros. Expulsos do barraco onde moravam, vieram ao Paraná em 1955, sem
destino certo e meio para se chegar. Um
caminhoneiro pegou nóis na estrada, joguemo a mudancinha pra cima do caminhão.
Ficou dele deixar nóis em Nova Aurora, mas a estrada tava muito ruim, chovia
muito. Ele deixou nóis em Campo Mourão. Ficamo nove dias morando de aluguel num
barraco esperando o rio baixá. Nisso, a testa franzida de Dona Arminda
procura na visão que se tem através da janela as lembranças que ela diz serem
ruins até de lembrar. Repentinamente, a senhora de cabelos brancos se assusta e
suspira o que desperta o Pinscher que ao seu lado descansara. Acabara de se lembrar
de que a chegada em Nova Aurora foi marcada pelo maior chefe dos jagunço que queria se aproveitar de mim. Havia sido
nessa ocasião que a família compartilhava
do mesmo oxigênio, do mesmo piso, do mesmo espaço com porcos e cabritos, que
comiam e dormiam juntamente com as pessoas as quais ali passavam as noites. À
devida pensão, ela dizia ser mal assombrada. Escuitava gente subindo as escada e não chegava nunca, assim era a
noite inteira.
Um mês depois de vagar
pelas estradas de chão de terra vermelha, Francisco, homem do campo, só sabia
lidar com lavoura, conseguira emprego de administrador de terras em Cascavel, cidadezinha
recém-emancipada que dispunha de casinhas simples, armazéns onde se compravam
alimentos, agulhas, vestidos e sapatos, ou seja, de tudo um pouco e as
imponentes madeireiras por todos os lados.
Na primeira moradia,
localizada na Vila Cancelli, de duas águas, com três cômodos, num conjugado de
casas cobertas de tábuas, mata-juntadas
como se dizia, a senhora de quase 90 anos abre um sorriso largo ao recordar do
hábito que tinha. Eu tinha uma pistola 32
e atirava num pé de mexerica. Um dia um polícia me chamou da rua. Pode entrar,
não tenho medo não, falei. Eu atiro no pé de mexerica. Tá todo marcado de bala.
Eu nasci na Revolução de 24. Levantando as sobrancelhas e esboçando
felicidade ao relembrar o causo, Dona Arminda conta que o policial saiu dizendo
Deus me livre. Essa mulher é o capeta. Aproveitando
o assunto, perguntei a ela como era viver em meio aos conflitos por terras,
muito frequentes na época. Uma vez
presenciei os compadres Fabrício e Taborda na Churrascaria Maracanã. O cara
chegou lá, deu sete tiros no peito, não matou. Ele carneou o outro com uma
faca. Espantado com a forma tranquila que ela me relatou tal fato, anormal
pra mim, indaguei se era tão comum assim essas rixas e se o apelido de Velho Oeste
fazia sentido. Ih, meu filho, se matavam a
luz do dia, se enfrentava jagunço com jagunço, jagunço com polícia no meio da
avenida.
As batidas do relógio de
pêndulo da sala avisavam: 18h. Lembrei que apenas uma recomendação me foi dada.
Após as seis horas, Arminda já ia dormir.
Ainda indaguei-a sobre o motivo de mesmo naquela idade, sendo viúva,
morava sozinha. Mais uma vez, dona de uma grande simpatia, apontou com o
indicador a casa dos vizinhos e reclamou. Eles
já quiseram ligar pra polícia denunciar meus filhos. Mas meus filhos estão bem
morando aqui perto e eu também. Tenho uma vizinha que todos os dias vem tomar
chimarrão. Tenho água encanada, antes pra lavar roupa era água de poço ou na
tinturaria, hoje ponho a roupa na máquina, e é só estender, tem luz, geladeira.
Vivo no céu.
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