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terça-feira, 29 de abril de 2014

Campeão na vida e no esporte - Maicon Roselio

Aos quatro anos de idade, Lucas perdeu parte de suas forças, mas isso não o derrubou e hoje ele está muito mais forte








Era para ser um dia tranquilo no Bairro Julieta Bueno em Cascavel, mas o ano de 2004 ficou marcado na memória e no corpo do garotinho de apenas quatro anos de idade. Lucas e a mãe, Lucilene, estavam no quintal, em frente a casa onde moravam e escutaram alguns barulhos vindos da esquina. De repente surgiram quatro homens com armas em punho e começaram um tiroteio. A casa de Lucas ficou entre o fogo cruzado. Durante a confusão um atirador ficou ferido e correu para dentro da casa do menino. Escutou-se outro tiro e Lucas caiu. A bala era para o homem que corria para dentro da casa, mas acertou a costela direita do garoto. 
 

A mãe ficou desesperada. Os vizinhos se mobilizaram e chamaram o Siate (Serviço Integrado de Atendimento ao Trauma em Emergência), mas ele não apareceu. “Ninguém foi porque pensaram que era um trote”, conta Lucilene, que, no dia, pegou o filho no colo, entrou no carro e “voou” para o hospital. Lucas permaneceu 60 dias internado. Ele entrou no hospital, carregado pela mãe e saiu sentado em uma cadeira de rodas. “Eu era criança na época. Dei-me conta que a cadeira de rodas seria a minha amiga, só aos nove anos”, lembra. 
 

Lucas Fernando dos Santos, hoje, tem apenas 13 anos, porém, mais parece um homem, não apenas pelo fato de ser grande, mas também pela maturidade que demonstra. A história e a determinação de Lucas fazem com que ele nem chegue perto de ser um garoto comum. 
 

Aos 11 anos conheceu o basquete, depois o handebol, badminton, natação, atletismo, dança e tênis de mesa. Em apenas sete meses já colecionava 30 medalhas. É por esse e outros motivos que Lucas mais parece um supergaroto. “Eu treino muito: quatro dias por semana, quatro horas por dia. Na minha casa tem um painel de todos os meus horários. Tenho treinos de manhã e à noite. À tarde eu estudo. Por tudo isso, minha vida é acordar cedinho e dormir tardão”, conta orgulhoso. 
 

Alguns médicos disseram que Lucas só ficou na cadeira de rodas porque, na hora do desespero, sua mãe o pegou no colo. No entanto, depois de uma consulta no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, isso foi desmentido. “No começo minha mãe entrou em depressão, mas agora ela me aceita e ainda tem orgulho de mim”, relata com um brilho nos olhos. 
 

Lucas está no 8º ano do Colégio Mário Quintana, mora com a mãe Lucilene, o pai Valdecir e mais três irmãos. Sempre foi muito dedicado aos estudos, porém o preconceito fez o menino cair de novo. Na metade de 2013 parou os estudos, mas um ano depois reuniu todas as forças e voltou. “Era muita piadinha na hora dos exercícios, do tipo: ‘ô Lucas, faz isso com a perna, faz aquilo’. Eu respondia, mas quando chegava em casa ficava pensando o porquê? Não aguentei o baque”, lamenta. 
 

O garoto, que enfrenta todos os dias os vilões da acessibilidade e do preconceito sonha alto: “Eu quero ser um futuro paratleta da seleção brasileira do parahandebol”, responde com firmeza.







O menino sem limites

Lucas faz vários esportes, tem uma vida bem agitada para um adolescente de 13 anos. Porém, isso só foi possível depois de conhecer o Sem Limite, um grupo dedicado aos cadeirantes que deixam a solidão para conviver com novas pessoas. “Lá no grupo eu vejo que há pessoas com mais deficiências, que não mexem os braços, só mexem o olho e têm mais coragem do que eu. O grupo Sem Limite me ensina a viver”.


Todos os dias existem barreiras para serem ultrapassadas, mas o adolescente não perde o foco em busca do seu objetivo maior, que é de ser um campeão brasileiro. Além da escassez de patrocinadores para os paratletas, a cidade de Cascavel ainda está longe de ter 100% de acessibilidade. O ônibus que Lucas e os outros colegas de esporte utilizam deixa-os em uma avenida, obrigando-os a andar no meio da rua, em locais que não há calçada, ou que há muitas árvores. “Quando passa um carro e buzina, nos assustamos, vamos para o lado, morremos de medo. Só mesmo quem está na cadeira, que sente na pele, sabe como é”.


Usar banheiros sem adaptação, passar pelo meio-fio, andar no meio da rua, tudo em cadeira de rodas, não é tarefa fácil. Mesmo assim, quando pergunto se Lucas é uma pessoa feliz, ele responde de boca cheia: “Sem dúvida nenhuma”. Hoje, Lucas percebe que o tiro retirou as forças de suas pernas, mas lhe deu: dedicação, força de vontade e sede de viver. “A cadeira me fez ter outra vida”.

































Texto de Maicon Roselio






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