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quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Resenha - Filme: Como estrelas na terra - Renan Bini

Em ritmo constante aliado à sirene do fundo musical, o quadro negro em uma sala de aula comum é preenchido aleatoriamente por letras e números sem uma ordem cronológica. Frente ao quadro, professoras tradicionais anunciam as notas de cada aluno. A maioria das crianças recebe o sorriso de aprovação ao bom desempenho, menos Ishaan, o protagonista do filme indiano “Como estrelas na Terra” recebe de volta uma expressão de desesperança e decepção.

O menino é parte de uma tradicional família de classe média, e por ser irmão do garoto mais inteligente da escola, é cobrado constantemente por seus pais para que melhore seu desempenho. O menino não é o culpado por sua dificuldade. Sua inteligência é normal, mas não consegue associar signos, fonemas e grafemas e em vez de receber o auxílio e a atenção necessária, recebe de seus pais o descaso e a desaprovação, tornando-o alvo de broncas, humilhações, e pelos professores tem suas “dificuldades” de aprendizagem ignoradas, qualificando-o como engraçadinho, sem-vergonha e preguiçoso.

Ishaan é disléxico, problema educacional este, que afeta a milhares de crianças como ele em todo o mundo. Como se não bastasse suas dificuldades, seus erros são constantemente destacados por seus pais, que demonstram irritação referente à “falta de capricho” do filho: “Pare de brincar e conserte seus erros!”. O menino de apenas 8 anos ouve o tempo todo: preguiçoso, incompetente, burro (etc.).

Ao perceber que Ishaan corre o risco de repetir novamente o 3º ano e por não aceitar que o filho poderia ter algum problema de aprendizagem, os pais da criança resolvem coloca-la num internato. O menino muda: seu sorriso, sua alegria, sua vivacidade e até o gosto pela pintura são substituídos pela tristeza do abandono, e pela sensação de fracasso.

Ao contrário do que esperam seus pais, o pequeno além de continuar não aprendendo, passa a reprimir os talentos que já tinha, entregando-se a depressão. Seus olhos gritam por socorro perante a exigência da nova escola: “Já domamos cavalos selvagens, vamos domar este também”. A partir daqui, Ishaan passa a aceita todas as rotulações em que é submetido sem nenhuma reação. Deixa de pintar, de falar, de brincar e até de observar os peixinhos no aquário. Enfim, Ishaan tem sua infância ceifada e é proibido de ser ele mesmo.

A vida do garoto começa a mudar quando o chato professor de artes, que obriga os alunos desenhar linhas retas sem réguas, da lugar a Ram. O novo professor de educação artística vem de uma escola especial em que desenvolve um trabalho de superação com crianças deficientes. Sua trajetória e seu bom humor são fundamentais na construção da empatia entre ele e Ishaan (a empatia professor\aluno é fundamental no processo de aprendizagem da criança disléxica).

O jovem professor vê em Ishaan, uma criança triste e reprimida, porém inteligente e muito talentosa, e se determina em salvar o garoto, cujos “olhos berram por socorro”. Faz aquilo que ninguém fez antes pelo menino, tenta entender o seu problema analisando cadernos, conversando com um amigo do menino, e ao detectar indícios de dislexia, procura os familiares dele.

Na casa dos pais do menino, o professor afirmar que Ishaan não é um menino rebelde ou preguiçoso, já que seu mau desempenho escolar justifica-se não na falta de empenho, mas sim na dislexia. A família do menino recusa-se em aceitar o problema da criança. Apesar de o professor explicar que cada criança tem o seu tempo de aprendizagem, e que o menino, com o carinho da família também superaria suas limitações, o pai apenas chora. E envergonha-se por ter um filho “incapaz”, imaginando a possibilidade de sustentá-lo a vida toda.

Ram deixa a residência do menino decepcionado, mas agora mais do que nunca, entende que ele é o único que pode ajudar o menino a vencer seus fantasmas. Marca então uma reunião com o diretor da escola, e para ele informa o problema do garoto, e o diretor então afirma que Ishaan deve ser transferido para uma escola especial. Ishaan fica na escola graças a insistência Ram, que compromete-se ao diretor em ajudar o menino, e oferecendo-se para acompanhar o garoto individualmente, duas ou três vezes por semana.

Ram aos poucos devolve a Ishaan seu sorriso merecido. O professor faz a criança entender seu problema, e que assim como Leonardo da Vinci e Albert Einstein (ambos disléxicos), ele também pode vencer suas dificuldades e não necessariamente precisa ser um fracassado. As crianças disléxicas, na maioria das vezes, devido ao preconceito e a humilhação em que são submetidas, perdem a confiança em si. Ram entra na vida de Ishaan, sendo mais do que um mediador de conhecimento. Este mostra-se também um amigo, e o apoio que o menino não encontrou nem em sua família.
A partir da afetividade entre os protagonistas, é perceptível o quanto a confiança e a empatia são fundamentais no processo de aprendizagem. O menino entusiasmado fica mais confiante, e por saber que não sofrerá mais humilhações, já não teme mais errar. Consequentemente passa a tentar várias vezes, até conseguir.  Ishaan teve um final feliz, mas, caso não tivesse encontrado Ram ou outro profissional com este perfil, poderia tornar-se um menino ainda mais depressivo. Talvez sua confiança nunca fosse resgatada, e mesmo que por insistência e medo, aprendesse a ler, nunca seria um leitor crítico.

Texto de Renan Bini

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