Em ritmo constante aliado à
sirene do fundo musical, o quadro negro em uma sala de aula comum é preenchido
aleatoriamente por letras e números sem uma ordem cronológica. Frente ao quadro,
professoras tradicionais anunciam as notas de cada aluno. A maioria das
crianças recebe o sorriso de aprovação ao bom desempenho, menos Ishaan, o
protagonista do filme indiano “Como estrelas na Terra” recebe de volta uma expressão
de desesperança e decepção.
O menino é parte de uma
tradicional família de classe média, e por ser irmão do garoto mais inteligente
da escola, é cobrado constantemente por seus pais para que melhore seu
desempenho. O menino não é o culpado por sua dificuldade. Sua inteligência é
normal, mas não consegue associar signos, fonemas e grafemas e em vez de
receber o auxílio e a atenção necessária, recebe de seus pais o descaso e a
desaprovação, tornando-o alvo de broncas, humilhações, e pelos professores tem
suas “dificuldades” de aprendizagem ignoradas, qualificando-o como
engraçadinho, sem-vergonha e preguiçoso.
Ishaan é disléxico, problema
educacional este, que afeta a milhares de crianças como ele em todo o mundo. Como
se não bastasse suas dificuldades, seus erros são constantemente destacados por
seus pais, que demonstram irritação referente à “falta de capricho” do filho:
“Pare de brincar e conserte seus erros!”. O menino de apenas 8 anos ouve o
tempo todo: preguiçoso, incompetente, burro (etc.).
Ao perceber que Ishaan corre
o risco de repetir novamente o 3º ano e por não aceitar que o filho poderia ter
algum problema de aprendizagem, os pais da criança resolvem coloca-la num
internato. O menino muda: seu sorriso, sua alegria, sua vivacidade e até o
gosto pela pintura são substituídos pela tristeza do abandono, e pela sensação
de fracasso.
Ao contrário do que esperam
seus pais, o pequeno além de continuar não aprendendo, passa a reprimir os
talentos que já tinha, entregando-se a depressão. Seus olhos gritam por socorro
perante a exigência da nova escola: “Já domamos cavalos selvagens, vamos domar
este também”. A partir daqui, Ishaan passa a aceita todas as rotulações em que
é submetido sem nenhuma reação. Deixa de pintar, de falar, de brincar e até de
observar os peixinhos no aquário. Enfim, Ishaan tem sua infância ceifada e é
proibido de ser ele mesmo.
A vida do garoto começa a
mudar quando o chato professor de artes, que obriga os alunos desenhar linhas
retas sem réguas, da lugar a Ram. O novo professor de educação artística vem de
uma escola especial em que desenvolve um trabalho de superação com crianças
deficientes. Sua trajetória e seu bom humor são fundamentais na construção da
empatia entre ele e Ishaan (a empatia professor\aluno é fundamental no processo
de aprendizagem da criança disléxica).
O jovem professor vê em
Ishaan, uma criança triste e reprimida, porém inteligente e muito talentosa, e
se determina em salvar o garoto, cujos “olhos berram por socorro”. Faz aquilo
que ninguém fez antes pelo menino, tenta entender o seu problema analisando
cadernos, conversando com um amigo do menino, e ao detectar indícios de
dislexia, procura os familiares dele.
Na casa dos pais do menino,
o professor afirmar que Ishaan não é um menino rebelde ou preguiçoso, já que
seu mau desempenho escolar justifica-se não na falta de empenho, mas sim na
dislexia. A família do menino recusa-se em aceitar o problema da criança.
Apesar de o professor explicar que cada criança tem o seu tempo de
aprendizagem, e que o menino, com o carinho da família também superaria suas
limitações, o pai apenas chora. E envergonha-se por ter um filho “incapaz”,
imaginando a possibilidade de sustentá-lo a vida toda.
Ram deixa a residência do
menino decepcionado, mas agora mais do que nunca, entende que ele é o único que
pode ajudar o menino a vencer seus fantasmas. Marca então uma reunião com o
diretor da escola, e para ele informa o problema do garoto, e o diretor então
afirma que Ishaan deve ser transferido para uma escola especial. Ishaan fica na
escola graças a insistência Ram, que compromete-se ao diretor em ajudar o
menino, e oferecendo-se para acompanhar o garoto individualmente, duas ou três
vezes por semana.
Ram aos poucos devolve a
Ishaan seu sorriso merecido. O professor faz a criança entender seu problema, e
que assim como Leonardo da Vinci e Albert Einstein (ambos disléxicos), ele
também pode vencer suas dificuldades e não necessariamente precisa ser um
fracassado. As crianças disléxicas, na maioria das vezes, devido ao preconceito
e a humilhação em que são submetidas, perdem a confiança em si. Ram entra na
vida de Ishaan, sendo mais do que um mediador de conhecimento. Este mostra-se
também um amigo, e o apoio que o menino não encontrou nem em sua família.
A partir da afetividade
entre os protagonistas, é perceptível o quanto a confiança e a empatia são
fundamentais no processo de aprendizagem. O menino entusiasmado fica mais confiante,
e por saber que não sofrerá mais humilhações, já não teme mais errar.
Consequentemente passa a tentar várias vezes, até conseguir. Ishaan teve um final feliz, mas, caso não
tivesse encontrado Ram ou outro profissional com este perfil, poderia tornar-se
um menino ainda mais depressivo. Talvez sua confiança nunca fosse resgatada, e
mesmo que por insistência e medo, aprendesse a ler, nunca seria um leitor
crítico.![]() |
Texto de Renan Bini |
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