“Aqueles que não amam a Revolução, pelo menos devem temê-la!”
Comparando o Regime ao divino, a frase é pronunciada pelo general Guedes, um dos primeiros líderes do golpe de 1964 e resume de maneira exímia a morte da Democracia durante a Ditadura Militar
Em 2014, o golpe que instaurou a Ditadura Militar no Brasil completou 50 anos. No entanto,apesar de ser parte da recente história brasileira, pouco ainda se sabe sobre o período. Milhares de pessoas foram presas, torturadas e tiveram suas vidas ceifadas inescrupulosamente. E quais são os danos que o Regime trouxe à sociedade? Talvez nunca sejam identificados por completo. Estes vão além dos corpos que foram mutilados e estão desaparecidos até hoje. Para aqueles que vivenciaram a época, além dos inocentes, morreram democracia, liberdade de expressão e visão crítica da população brasileira.
A Ditadura Militar não se findou em 1985. Ela permanece viva até hoje na memória daqueles que lutaram por uma sociedade igualitária.
Para Alberto Fávero, ex-militante da cidade de Nova Aurora, a mesma geração que derramou seu sangue pela pátria viu as novas gerações crescerem sem um ideal, sem criticidade e sem conhecer o real sentido de democracia. As
consequências do período aplicam-se em todo o território nacional, e não só nos grandes centros como acredita a maior parte da população brasileira.
A partir desses fatos, observando a infinidade de informações e diferentes perspectivas, concordamos que é inviável abordar o tema em apenas uma edição do Unifatos. Nessa perspectiva, nós faremos uma série com duas reportagens interpretativas com o objetivo de mostrar parte do que aconteceu nos anos de chumbo não apenas nos grandes centros, mas também em cidades interioranas, inclusive nas regiões Oeste e Sudoeste do Paraná.
A ideia de produção desta pauta surgiu após a nossa participação na Audiência Pública da Comissão Estadual da Verdade, realizada nos dias 20 e 21 de março na Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná), no Campus de Cascavel. Nela, foram ouvidos relatos de ex-militantes, de familiares e de vítimas que, na época, nem sabiam o motivo de estarem sendo torturadas.
A Comissão da Verdade do estado do Paraná foi criada pela lei 1730062, em 27 de novembro de 2012. Ela tem por finalidade apurar graves violações dos direitos humanos, ocorridos nos anos de chumbo. É uma forma de dar voz a quem precisa falar sobre as opressões que passaram e ao mesmo tempo, dar oportunidade aos demais de ouvir, conhecer e se informar em relação a essa parte da história brasileira.
De acordo com a advogada, integrante do Comitê de Refugiados do Paraná e também membro da Comissão Estadual da Verdade Ivete Caribé Rocha, o evento é um dos mais importantes do estado do Paraná, pela militância e pelo grau de envolvimento da estrutura de repressão aqui no Oeste do Paraná. “Nossa função principal é fazer o levantamento dessas graves violações, transformá-las num relatório final, e trazer isso para a sociedade, porque a maioria, mesmo as pessoas que viveram naquela época, não tem conhecimento da profundidade do que ocorreu”, afirma Ivete.
Após o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, a nação vivenciou um período de instabilidade política, que foi fortemente questionado e pressionado pela oposição e as Forças Armadas. Descontentes com a situação, políticos e militares ameaçavam se rebelar e tomar o poder a qualquer hora.
Após a renúncia do presidente Jânio Quadros, quem assumiu foi seu vice-presidente Jango, que na época representava a esquerda brasileira. A sucessão não foi bem vista pelos militares, pelas classes dominantes e pelos EUA. Para assumir a presidência, João Goulart teve que aceitar o regime parlamentarista.
Com o apoio das classes mais abastadas da sociedade, Jango apresentou ao Congresso projetos em que defendia a extensão do voto a analfabetos, a reforma agrária e pretendia ampliar a intervenção do Estado na economia.
Temendo a possibilidade de comunismo, e com total apoio norte-americano, em 31 de março de 1964, os militares instauraram o Regime que se estendeu no país por um período de 21 anos. O primeiro militar a assumir o poder durante a Ditadura foi o general Humberto Castello Branco, que ficou na presidência até 1967. Foram cortadas as relações diplomáticas com Cuba e os EUA passaram a apoiar o governo brasileiro, inclusive economicamente.
Em seu governo, Branco também extinguiu os partidos políticos e impôs eleições indiretas para presidente. Durante o mandato do presidente Costa e Silva, o povo ficou descontente com os efeitos negativos da Ditadura Militar e tomou conta das ruas. Sem controle sobre as manifestações, o general decretou o AI-5 (ato que suspendia liberdades democráticas e direitos constitucionais, permitindo que a polícia efetuasse investigações, perseguições e prisões de cidadãos sem necessidade de mandado judicial).
Por motivos de saúde, o presidente Costa e Silva se afastou e o general Emílio Garrastazu Médici assumiu a presidência. Os cinco anos de governo de Médici foram marcados pelo "milagre econômico" e também pelo período de maior repressão política da história. Dentre as mídias (redações de jornal impresso, rádio e TV), algumas redações receberam equipes de censores que ficavam ali apenas para julgar o que poderia ou não ser publicado, outros veículos eram obrigados a enviar antecipadamente o que pretendiam publicar para a Divisão de Censura do Departamento de Polícia Federal.
De acordo com a historiadora, especialista e professora da Univel, Janelucy Penharvel, em termos gerais culturais, a Ditadura Militar foi um período de “Castração da Cultura Brasileira”. Para ela, apesar de uma época de pequenas melhorias econômicas, nada pode ser considerado positivo no Regime, já que nós brasileiros pagamos muito caro por isso.
Quem compartilha dessa opinião é o ex-Procurador Geral de Justiça do Ministério Público do Paraná, Olympio de Sá Sotto Maior Neto. Para ele, nada pode ser positivo em um momento em que não se vivenciam o Estado de direito democrático. “Esse falso progresso, que se traduziu em concentração de riquezas nas mãos de poucas pessoas, todos esses pseudo-avanços, na verdade desaparecem para os interesses de uma sociedade democrática quando há violações permanentes dos direitos humanos”, afirma.
A repressão, a tortura, a violência e a ausência de liberdades civis e públicas tornaram a manutenção da Ditadura Militar insustentável. Em 1974, o general Geisel assumiu a presidência do país e prometeu dar início à redemocratização do país de forma lenta, gradual e segura.
O governo do general João Baptista de Oliveira Figueiredo deu continuidade ao processo de abertura política. Ao longo de seu mandato, a Ditadura perdeu legitimidade social e sofreu desgaste político. No entanto, por meio de atos terroristas, setores das Forças Armadas tentaram barrar o processo de redemocratização a fim de desestabilizar o governo e amedrontar a sociedade.
A Lei de Anistia, que resgatava a cidadania de cassados, clandestinos e exilados políticos, foi sancionada e cerca de 4.600 pessoas se beneficiaram. Após a lei, ocorreu no Brasil uma da série de manifestações populares que pediam eleições diretas para presidente da república. Diversos artistas aderiram à campanha, no entanto, a proposta foi derrotada no Congresso e as eleições para presidente de 1985 foram indiretas.
Com a derrota da emenda por eleições diretas, Tancredo Neves surgiu como nome forte à sucessão presidencial. Tancredo recebeu a maioria dos votos no Congresso e venceu o concorrente, Paulo Maluf. Na véspera da posse, Tancredo foi internado às pressas. No dia 15 de março, quem assumiu a presidência foi o vice, José Sarney, efetivado no cargo após a morte do titular.
Heranças
De acordo com a historiadora, especialista e professora da Univel, Janelucy Penharvel, a pior herança deixada pela Ditadura Militar foi a questão política. “Logo após o período de ditadura
Varguista, o povo estava aprendendo a votar, e aí a Ditadura Militar veio e acabou com a participação política do povo na escolha de seus governantes”, afirma.
Para a professora, outro aspecto negativo se reflete hoje na educação. “A educação brasileira se tornou tecnicista. O ensino de história, filosofia e sociologia, tornaram-se extremamente positivistas e nós perdemos a identidade de educação cultural e política, refletindo em um atraso social e econômico”, relata.
Segundo o ex-Procurador Geral de Justiça do Ministério Público do Paraná, Olympio de Sá Sotto Maior Neto, a pior herança é o fato de a violação dos direitos humanos ser tida como uma coisa normal. “O raciocínio de que os fins justificam os meios e daqui a pouco as
pessoas terem dúvidas se é possível, por exemplo, torturar alguém para confessar um crime é um absurdo”, afirma.
Olympio destaca também que foi exatamente no período da Ditadura Militar que o falso discurso do desenvolvimento determinou a maior concentração de riquezas nas mãos de poucas pessoas. “Com discursos dos ‘Delfins Neto’ da vida, no sentido de que primeiro é necessário fazer o bolo para depois dividi-lo, o Brasil se tornou campeão mundial das desigualdades sociais”, declara.
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