As diferenças não são as principais dificuldades enfrentadas
Ouve-se muito falar em deficiências físicas de várias formas,
todos conhecem ou sabem de uma história de alguém que possua uma deficiência ou
que enfrente alguma dificuldade. Mas quando se vê um fissurado o que você
pensa? A maioria não conhece a respeito e fica surpreso ao se deparar com uma
pessoa com essa anomalia, principalmente nos casos mais severos. Mas não! A fissura
labiopalatal não trata-se de um caso “deslumbrante” mas pode ser identificada
visualmente.
Aliás, o que é a fissura labiopalatal? A fissura
labiopalatal é a má formação congênita na face, que ocorre durante a formação
do embrião. A fissura labial e a fenda palatina podem ter apresentações
variáveis, é a principal anomalia craniofacial, tendo uma grande incidência de casos. A fissura labial
atinge a lateral do lábio superior, dividindo-o em dois segmentos, causando uma
falha no fechamento das estruturas do lábio, podendo prolongar-se até o sulco
entre os dentes incisivo lateral e canino, também pode atingir a gengiva, o
maxilar superior e alcançar o nariz. No caso da fenda palatina, a falha pode
atingir todo o céu da boca e a base do nariz, estabelecendo um contato direto
entre eles.
Não sabe-se dizer ao certo quais as reais causas da
anomalia dependendo de
cada pessoa os princípios da doença são
multifatoriais. Segundo o dentista Especialista em Ortodontia, Amadeu Tomazin Neto, a doença
pode ser causada por predisposição genética ou fatores ambientais. “Os fatores
são diferenciados, pode ser por uma deficiência nutricional, alguma doença
materna como: alcoolismo,
fumo, entre outros”, explica. Cada paciente possui um tratamento específico de
acordo com o caso.
O tratamento é complexo. Necessita perseverança por
parte do paciente e dedicação dos profissionais envolvidos, pois quando
diagnosticada a doença, já devem ser adotadas algumas medidas. Esse diagnóstico
pode ser feito ainda durante a gravidez com a realização de ultrassonografia,
mas a maioria só descobre quando o bebê nasce. Foi o que aconteceu com a
auxiliar de serviços gerais, Isabel Guth, que só descobriu que o filho, Felipe
Pelizzone hoje com 14 anos, tem a anomalia. Ela conta que a gravidez foi
tranquila e que não teve
nenhum problema até então. “Eu
não conhecia bem a fissura, achava que era apenas uma cicatriz, então quando descobri foi bem difícil
pois eu não estava preparada”, declara. Apesar disso, ela não se abalou pela
notícia e já iniciou o tratamento do filho, mas enfrentou algumas complicações.
“A fissura do Felipe era unilateral e minha maior dificuldade foi para
amamentá-lo, pois ele podia engasgar” complementa.
O caso do Felipe é mais um que, entre tantos outros
passam por esse mesmo processo. Desde
pequeno já convivia com a própria diferença aprendendo a lidar com ela e
observando-a normalmente. Ao descrever
como é ter que comparecer ao dentista semanalmente Felipe diz: “É legal” e ri
envergonhado. Com poucas palavras, ele conta que na escola tudo é normal e não
há diferenças. A maior dificuldade é ter que perder aula para fazer o
tratamento, mas que a mãe dele está sempre presente. “Minha mãe é a que mais me
ajuda, que me traz sempre aqui” finaliza. Por mais que seja difícil, conforme
relatou a mãe do menino, ele não encontra objeções por ter uma cicatriz no
rosto e parece nem entender o que é o preconceito. “Sempre busquei explicar
para o Felipe que é uma diferença, mas não é nada grave, que tem tratamento e
solução” destaca Isabel. Felipe precisou passar por três cirurgias e agora usa
um aparelho ortodôntico.
Procedimentos
As fissuras podem ter vários tipos e níveis, como a
fissura pré-forame, que
atinge o palato primário envolvendo o lábio ou a fissura transforame que
acomete o palato primário e secundário, ambas podem ser unilaterais ou
bilaterais, ou ainda a fissura pós forame que
envolve o palato secundário mas não o lábio, podendo ser completa ou
incompleta. Por isso dependendo da
complexidade que se apresenta a doença o tratamento pode durar a vida toda.
Logo quando bebê, com apenas três meses, é realizada a primeira cirurgia nos lábios,
a quiroplastia. Com 12 meses é feita outra cirurgia, onde fecha-se o palato. A
partir daí, cada caso é
avaliado e são determinados os procedimentos. A maioria deve fazer o tratamento
até completar 20 anos.
Os pais, quando recebem a notícia que o filho tem
a fissura gera-se certo receio,
mas há o acompanhamento desde o princípio. A mãe recebe todas as instruções e
orientações necessárias de como cuidar desse bebê principalmente como
amamentá-lo. É feito o encaminhamento dessa criança para o “centrinho”, local
destinado ao atendimento dos pacientes fissurados. Esse acompanhamento não é
somente dos cirurgiões e dentistas especializados, mas também com profissionais
de várias áreas envolvidas, entre eles psicólogos, nutricionistas,
otorrinolaringologistas e fonoaudiólogos.
Os psicólogos fazem o atendimento tanto da mãe como
da criança, acompanhando no desenvolvimento emocional e social. Os
nutricionistas amparam na dieta e na alimentação correta do paciente. Quem tem
fissura labiopalatal tem grandes chances de obter também infecção no ouvido,
por isso, o acompanhamento com o otorrinolaringologista é essencial. Já a
fonoaudiologia tem grande participação na recuperação desses pacientes, pois
com a má formação do lábio e do palato, o paciente possui grandes dificuldades
na fala.
Antes mesmo das cirurgias, a fonoaudiologia já atua
preventivamente, ensinando para os pais algumas manobras que devem ser feitas
com a criança para que ela adquira pressão na boca e consiga ter uma fala normal.
A fonoaudióloga do Hospital de Reabilitação de Anomalias craniofaciais (HRAC) da Universidade de São Paulo (USP), Giovana
Rinalde Brandão, explica que com essas manobras previne-se alguns distúrbios,
auxiliando futuramente. “Com um ano de idade a criança está começando a falar, então
é o momento ideal, pois já aprenderam a ter pressão na boca e agora irão
aprender a falar com o palato fechado”. Ela conta também que o trabalho o qual realiza
depende muito de cada paciente e serve para tentar amenizar possíveis
alterações na fala. Com adultos que tenham desenvolvido a fala sem
acompanhamento, torna-se mais difícil o tratamento, pois passaram muito tempo
com a fala alterada então a reabilitação é mais complicada.
O trabalho da equipe multidisciplinar é fundamental
para que os pacientes não se sintam excluídos por possuírem uma deficiência
física, pelo contrário, eles empenham-se no tratamento e lutam praticamente a
vida toda em função da sua recuperação que não é imediata.
Centros
de Tratamento
O Hospital de Reabilitação de Anomalias
Craniofaciais (HRCA) da USP, em Bauru no Estado de São Paulo, é o centro de
referência em tratamento de pacientes fissurados e possui mais de 52 mil
pacientes cadastrados.
Em Cascavel, o Centro de Atenção e Pesquisa em Anomalia
Craniofacial (CEAPAC) do
Hospital Universitário do Oeste do Paraná (HUOP) é o principal centro de
atendimento da região Oeste e Sudoeste. Ele funciona desde fevereiro deste ano
e possui cerca de 120 pacientes em tratamento, conta com oito consultórios e 14
especialidades, incluindo cirurgias plásticas e pediátricas.
Apesar do CEAPAC contribuir no atendimento desses
pacientes, ainda enfrenta dificuldades,
pois não foram contratados todos
os funcionários previstos para o bloco. Cerca de 20 estão trabalhando no
Centro, mas ainda não é o suficiente. As cirurgias mais complexas ainda não são
realizadas sendo encaminhadas para Curitiba ou para Bauru. Segundo o
coordenador do CEAPAC, Ediuilson Ilo Lisbôa, no ano passado foram adquiridos e
montados os equipamentos necessários além da preparação da equipe de
trabalho.
Anteriormente, os pacientes tinham que se descolar
para Curitiba ou Bauru o que dificultava no tratamento, como conta o professor
Adriano Brozozoski, de 39 anos , que possui a fissura labiopalatal e precisou
fazer quatro cirurgias ainda quando criança. “Quando eu já estava maior
precisei colocar um aparelho e tive que ir à Curitiba várias vezes, então
acabei desanimando e desistindo do tratamento” afirma. Ele conta que quando
ficou sabendo da abertura do CEAPAC, ficou no aguardo para reiniciar o seu
tratamento. “Dei entrada novamente nos procedimentos dentários e vou precisar
fazer uma nova cirurgia”, conta o professor.
Adriano diz que sua maior dificuldade
sempre foi a distância que tinha que enfrentar para
fazer o tratamento. E com a abertura do bloco facilitou muito, pois antes precisava
ir à Curitiba e agora ele desloca-se até o CEAPAC, o que reduziu
consideravelmente o tempo utilizado para o tratamento. Ele conta também que na
profissão, a doença nunca lhe atrapalhou e sempre viu como um obstáculo a
transpor. “Eu sempre busquei força para enfrentar isso e conversando com a
equipe de psicologia, eles me auxiliaram muito. Quando criança sempre fui muito
dinâmico e espontâneo e gostava de participar de tudo” ressalta. Adriano tem
uma filha de sete anos que também possui a fissura, mas em relação a dele não é
tão severa. Ele diz que ela lida com a doença com muita naturalidade e que
nunca observou alguma rejeição. Mais um indício que é possível conviver com as
diferenças sem nenhum constrangimento.
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Texto de Makelen Rotta |
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