NO AR: OS OPERÁRIOS DA PALAVRA

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O tratamento que dura uma vida - Makelen Rotta



As diferenças não são as principais dificuldades enfrentadas




Ouve-se muito falar em  deficiências físicas de várias formas, todos conhecem ou sabem de uma história de alguém que possua uma deficiência ou que enfrente alguma dificuldade. Mas quando se vê um fissurado o que você pensa? A maioria não conhece a respeito e fica surpreso ao se deparar com uma pessoa com essa anomalia, principalmente nos casos mais severos. Mas não! A fissura labiopalatal não trata-se de um caso “deslumbrante” mas pode ser identificada visualmente.


Aliás, o que é a fissura labiopalatal? A fissura labiopalatal é a má formação congênita na face, que ocorre durante a formação do embrião. A fissura labial e a fenda palatina podem ter apresentações variáveis, é a principal anomalia craniofacial, tendo uma grande incidência de casos. A fissura labial atinge a lateral do lábio superior, dividindo-o em dois segmentos, causando uma falha no fechamento das estruturas do lábio, podendo prolongar-se até o sulco entre os dentes incisivo lateral e canino,  também pode atingir a gengiva, o maxilar superior e alcançar o nariz. No caso da fenda palatina, a falha pode atingir todo o céu da boca e a base do nariz, estabelecendo um contato direto entre eles.

Não sabe-se dizer ao certo quais as reais causas da anomalia dependendo de cada pessoa os princípios da doença  são multifatoriais. Segundo o dentista Especialista em Ortodontia,  Amadeu Tomazin Neto, a doença pode ser causada por predisposição genética ou fatores ambientais. “Os fatores são diferenciados, pode ser por uma deficiência nutricional, alguma doença materna como: alcoolismo, fumo, entre outros”, explica. Cada paciente possui um tratamento específico de acordo com o caso.
O tratamento é complexo. Necessita perseverança por parte do paciente e dedicação dos profissionais envolvidos, pois quando diagnosticada a doença, já devem ser adotadas algumas medidas. Esse diagnóstico pode ser feito ainda durante a gravidez com a realização de ultrassonografia, mas a maioria só descobre quando o bebê nasce. Foi o que aconteceu com a auxiliar de serviços gerais, Isabel Guth, que só descobriu que o filho, Felipe Pelizzone hoje com 14 anos, tem a anomalia. Ela conta que a gravidez foi tranquila e que  não teve nenhum problema até então.  “Eu não conhecia bem a fissura, achava que era apenas uma cicatriz,  então quando descobri foi bem difícil pois eu não estava preparada”, declara. Apesar disso, ela não se abalou pela notícia e já iniciou o tratamento do filho, mas enfrentou algumas complicações. “A fissura do Felipe era unilateral e minha maior dificuldade foi para amamentá-lo, pois ele podia engasgar” complementa.

O caso do Felipe é mais um que, entre tantos outros passam por esse mesmo processo.  Desde pequeno já convivia com a própria diferença aprendendo a lidar com ela e observando-a normalmente.  Ao descrever como é ter que comparecer ao dentista semanalmente Felipe diz: “É legal” e ri envergonhado. Com poucas palavras, ele conta que na escola tudo é normal e não há diferenças. A maior dificuldade é ter que perder aula para fazer o tratamento, mas que a mãe dele está sempre presente. “Minha mãe é a que mais me ajuda, que me traz sempre aqui” finaliza. Por mais que seja difícil, conforme relatou a mãe do menino, ele não encontra objeções por ter uma cicatriz no rosto e parece nem entender o que é o preconceito. “Sempre busquei explicar para o Felipe que é uma diferença, mas não é nada grave, que tem tratamento e solução” destaca Isabel. Felipe precisou passar por três cirurgias e agora usa um aparelho ortodôntico.



Procedimentos



As fissuras podem ter vários tipos e níveis, como a fissura pré-forame, que atinge o palato primário envolvendo o lábio ou a fissura transforame que acomete o palato primário e secundário, ambas podem ser unilaterais ou bilaterais, ou ainda a fissura pós forame que  envolve o palato secundário mas não o lábio, podendo ser completa ou incompleta.  Por isso dependendo da complexidade que se apresenta a doença o tratamento pode durar a vida toda. Logo quando bebê, com apenas três meses, é realizada a primeira cirurgia nos lábios, a quiroplastia. Com 12 meses é feita outra cirurgia, onde fecha-se o palato. A partir daí, cada caso é avaliado e são determinados os procedimentos. A maioria deve fazer o tratamento até completar 20 anos.
Os pais, quando recebem a notícia que o filho tem a fissura gera-se certo receio, mas há o acompanhamento desde o princípio. A mãe recebe todas as instruções e orientações necessárias de como cuidar desse bebê principalmente como amamentá-lo. É feito o encaminhamento dessa criança para o “centrinho”, local destinado ao atendimento dos pacientes fissurados. Esse acompanhamento não é somente dos cirurgiões e dentistas especializados, mas também com profissionais de várias áreas envolvidas, entre eles psicólogos, nutricionistas, otorrinolaringologistas e fonoaudiólogos.
Os psicólogos fazem o atendimento tanto da mãe como da criança, acompanhando no desenvolvimento emocional e social. Os nutricionistas amparam na dieta e na alimentação correta do paciente. Quem tem fissura labiopalatal tem grandes chances de obter também infecção no ouvido, por isso, o acompanhamento com o otorrinolaringologista é essencial. Já a fonoaudiologia tem grande participação na recuperação desses pacientes, pois com a má formação do lábio e do palato, o paciente possui grandes dificuldades na fala.

Antes mesmo das cirurgias, a fonoaudiologia já atua preventivamente, ensinando para os pais algumas manobras que devem ser feitas com a criança para que ela adquira pressão na boca e consiga ter uma fala normal. A fonoaudióloga do Hospital de Reabilitação de Anomalias craniofaciais (HRAC) da Universidade de São Paulo (USP), Giovana Rinalde Brandão, explica que com essas manobras previne-se alguns distúrbios, auxiliando futuramente. “Com um ano de idade a criança está começando a falar, então é o momento ideal, pois já aprenderam a ter pressão na boca e agora irão aprender a falar com o palato fechado”. Ela conta também que o trabalho o qual realiza depende muito de cada paciente e serve para tentar amenizar possíveis alterações na fala. Com adultos que tenham desenvolvido a fala sem acompanhamento, torna-se mais difícil o tratamento, pois passaram muito tempo com a fala alterada então a reabilitação é mais complicada.

O trabalho da equipe multidisciplinar é fundamental para que os pacientes não se sintam excluídos por possuírem uma deficiência física, pelo contrário, eles empenham-se no tratamento e lutam praticamente a vida toda em função da sua recuperação que não é imediata.
Centros de Tratamento


O Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRCA) da USP, em Bauru no Estado de São Paulo, é o centro de referência em tratamento de pacientes fissurados e possui mais de 52 mil pacientes cadastrados.

Em Cascavel, o Centro de Atenção e Pesquisa em Anomalia Craniofacial (CEAPAC) do Hospital Universitário do Oeste do Paraná (HUOP) é o principal centro de atendimento da região Oeste e Sudoeste. Ele funciona desde fevereiro deste ano e possui cerca de 120 pacientes em tratamento, conta com oito consultórios e 14 especialidades, incluindo cirurgias plásticas e pediátricas.
Apesar do CEAPAC contribuir no atendimento desses pacientes, ainda enfrenta dificuldades,  pois  não foram contratados todos os funcionários previstos para o bloco. Cerca de 20 estão trabalhando no Centro, mas ainda não é o suficiente. As cirurgias mais complexas ainda não são realizadas sendo encaminhadas para Curitiba ou para Bauru. Segundo o coordenador do CEAPAC, Ediuilson Ilo Lisbôa, no ano passado foram adquiridos e montados os equipamentos necessários além da preparação da equipe de trabalho. 
Anteriormente, os pacientes tinham que se descolar para Curitiba ou Bauru o que dificultava no tratamento, como conta o professor Adriano Brozozoski, de 39 anos , que possui a fissura labiopalatal e precisou fazer quatro cirurgias ainda quando criança. “Quando eu já estava maior precisei colocar um aparelho e tive que ir à Curitiba várias vezes, então acabei desanimando e desistindo do tratamento” afirma. Ele conta que quando ficou sabendo da abertura do CEAPAC, ficou no aguardo para reiniciar o seu tratamento. “Dei entrada novamente nos procedimentos dentários e vou precisar fazer uma nova cirurgia”, conta o professor.
Adriano diz que sua maior dificuldade sempre foi a distância que tinha que enfrentar para fazer o tratamento. E com a abertura do bloco facilitou muito, pois antes precisava ir à Curitiba e agora ele desloca-se até o CEAPAC, o que reduziu consideravelmente o tempo utilizado para o tratamento. Ele conta também que na profissão, a doença nunca lhe atrapalhou e sempre viu como um obstáculo a transpor. “Eu sempre busquei força para enfrentar isso e conversando com a equipe de psicologia, eles me auxiliaram muito. Quando criança sempre fui muito dinâmico e espontâneo e gostava de participar de tudo” ressalta. Adriano tem uma filha de sete anos que também possui a fissura, mas em relação a dele não é tão severa. Ele diz que ela lida com a doença com muita naturalidade e que nunca observou alguma rejeição. Mais um indício que é possível conviver com as diferenças sem nenhum constrangimento. 




Texto de Makelen Rotta

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