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segunda-feira, 18 de novembro de 2013

“VIVER E NÃO TER A VERGONHA DE SER TRAVESTI” - Maicon e Maxi

Através da paródia de uma música, Bruna canta
a realidade de uma travesti que vive do sexo


 


Segunda-feira, 21 horas. O tempo nublado denunciava que logo a chuva cairia. A “pensão das meninas” no bairro Coqueiral, em Cascavel, encontrava-se fechada, as luzes apagadas e os portões cadeados. Ao lado, uma antiga igreja evangélica. O ambiente assemelhava-se a moradia de uma família tradicional. A rua vazia, e a casa silenciosa davam a impressão de que a entrevista não aconteceria naquela noite.
Após bater palmas, a fim de chamar a atenção dos moradores da casa, a equipe decide ir embora após a terceira tentativa sem sucesso. Neste momento um táxi estaciona em frente à pensão. Era Bruna, carregada com sacolas de mercado. Junto dela estava outra pessoa, cujo qual não se sabe a sexualidade, porém como ela, apresentava uma voz mais feminina.
 

Na correria de retirar as compras do táxi, um pouco desconfiada, Bruna nos convida para entrar em sua casa. Em meio a cumprimentos, a entrevistada se coloca à disposição de responder as perguntas enquanto guarda as compras e começa a preparar o jantar. A casa era simples, porém muito bem organizada. Na pensão moram seis “bonecas”, e os avisos de “proibido fumar” e “lixo aqui”, demonstram que elas mantêm a organização apesar de ficar o dia todo fora. O chão desgastado revelava o estrago feito pelo uso excessivo de salto alto.
 

A cozinha americana, o fogão, a geladeira, a mesa, o micro-ondas e quatro cadeiras de plástico passavam a sensação de uma casa aconchegante, bem cuidada pelas moradoras. Bruna tinha uma aparência cansada, pois trabalhara o dia todo. Vestia uma mini-blusa amarela que deixava a mostra a barriga sarada e as alças azuis do sutiã. A calça legging salientava suas curvas e o salto do sneaker realçava o tamanho do seu corpo.
 

Bruna Ravena, como é, gosta e quer ser chamada, tem 27 anos, e está há 12 na prostituição. É natural de Manaus –AM, filha de um caçambeiro maranhense e de mãe amazonense. Mora no Paraná há dez anos, passou por Curitiba e está há um ano e dois meses em Cascavel. A jovem tem uma boa aparência, é morena, alta, com olhos verdes, e um corpo – que como ela mesma diz – “Dá inveja em muita mulher por ai. Quem me olha, com um corpo desse minha filha, fica de cara. Eu parei o mercado inteiro agora pouco”.

A casa é um pensionato trans, onde só moram “meninas”. Segundo ela, um dos grandes desafios de um travesti é conseguir um bom lugar para morar, tendo em vista que o preconceito ainda é grande. “É muito difícil para nós conseguirmos um lugar para se estabilizar como por exemplo, num apartamento ou pensionato de gênero hétero, por conta do preconceito, as pessoas pensam que vai se tornar um local de prostituição”. Bruna nos apresenta a casa, e explica como funciona a divisão dos quartos. Mostra-nos também o seu quarto, todo organizado, com decoração e cuidados extremamente femininos.
Com um senso de humor incrível, Bruna nos mostra também a última gaveta da sua cômoda, repleta de camisinhas de diversos tamanhos, e claro, os brinquedos eróticos que utiliza em seu trabalho.
 

Com 12 anos de idade Bruna teve sua primeira relação homossexual. Aos 15 se assumiu para a família. “Dentro de mim eu via que estava vivendo uma mentira, que eu não estava conseguindo suportar. Eu não virei travesti pelo prazer, mas para estar vestida como estou agora”. Entre risos, Bruna brinca, “Deus fez o Adão e a Eva e surgiu a cobra que é o travesti”.
 

Nesta mesma época, sem o apoio da família, Bruna fugiu de casa para morar com garotas de programa. “A reação dos meus pais foi de puro preconceito, de falta de conhecimento, de ira, por ter criado um filho com tanto zelo e ele ter se transformado numa coisa que eles nunca quiseram”. Aos 19 anos, após servir o quartel se assumiu definitivamente travesti e começou a fazer programas profissionalmente.

No meio da entrevista, algo (inusitado para nós, e normal para ela) acontece. O celular de Bruna não para de receber mensagens. Em 15 minutos tocou cinco vezes. Em uma delas, questionamos se o motivo do telefone tocar tanto eram os programas, tendo em vista que seu “expediente” já tinha terminado. A resposta foi surpreendente e engraçada. “São mensagens de um admirador”, ela ri. “Só que esse admirador é meio problemático, por que ele está preso. Ele me manda mensagens de dentro da cadeia”, conta, com um sorriso acanhado. “Depois eu fico pensando, imagina se a polícia pega o celular dele? Vai ligar no meu, ai Meu Deus!”, Bruna solta uma gargalhada.


“Eu me prostituo pelo preconceito” 


Com apenas 16 anos Bruna fez o seu primeiro programa na rua, que “não foi bem sucedido”, pois apanhou, tomou um banho de chuva e quase foi presa. Com expressão de frieza, um olhar distante e profundo a entrevistada parece recorrer ao passado e buscar lembranças desagradáveis do fundo da sua alma.
A travesti nos explica o porquê de recorrer à prostituição. “Eu trabalho por que o dinheiro vem mais fácil, mas eu não gosto dessa vida, a gente corre risco, se incomoda muito”.
Bruna ressalta que através da prostituição encontra o seu sustento, já que não consegue emprego nas empresas da cidade. “Ninguém quer contratar uma travesti, pois pensa na imagem do estabelecimento, em como as pessoas irão ver a sua loja, eu já tentei e não consegui. O preconceito esta no olhar das pessoas”, lamenta.


O assistente social do Cedip (Centro Especializado de Doenças Infecto Parasitárias), Joarez Antônio ressalta que os programas são a forma de sobrevivência encontrada pelas travestis, tendo em vista que não conseguem emprego em outra área. “Por conta das necessidades as travestis fazem do programa sexual a sua fonte de renda”.
Segundo o Código Penal Brasileiro, a prostituição é legal. Somente sua exploração ou lenocínio* são considerados crimes. A classificação Brasileira de Ocupações em 002 (CBO), do Ministério do Trabalho e Emprego, reconhece a existência das profissionais do sexo, mas o exercício desse trabalho ainda não é regulamentado por uma lei. O deputado Fernando Gabeira é autor de um projeto na Câmara dos Deputados para a  regulamentação da profissão no Brasil.
 

Lenocínio - É uma prática criminosa que consiste em explorar, estimular ou facilitar a prostituição sob qualquer forma ou aspecto, havendo ou não mediação direta ou intuito de lucro.

A entrevistada nos conta que Curitiba oferece mais oportunidades profissionais às travestis. Na capital do estado ela trabalhou na GVT, como operadora de telemarketing e foi a primeira travesti na linha de produção da Positivo Informática. “Para eu entrar numa empresa em Curitiba, o que prevaleceu foi o meu talento e minha força de vontade. Aqui em Cascavel o único emprego que consegui encontrar foi de lavar pratos”, conta Bruna indignada. “As pessoas ainda pensam que os ‘viados’, só nasceram pra ser cabeleireiro ou maquiador”.
Além do preconceito no mercado de trabalho “tradicional”, as profissionais do sexo também enfrentam discriminação no árduo trabalho das ruas. Agressões físicas e verbais são comuns no dia-a-dia de uma prostituta. “As pessoas falam mal, humilham, e ofendem. Quem trabalha nas ruas tem que ter um psicológico forte para aguentar as agressões que sofremos todos os dias”.
 

As humilhações fazem com que as travestis se tornem agressivas, tratando com receio todos que se aproximam. Sobre os comentários recebidos, Bruna é sarcástica e direta. “Viado dá no mato, não dá na cidade. O ser humano é um bicho. Age sem pensar, age sem raciocinar. Afinal, por que preconceito se não me conhece?”.

O PREÇO DO TRABALHO




Os preços dos programas feitos pelas travestis variam:


Sexo oral R$30,00
Programa simples R$ 50,00
Travesti como ativo R$100,00
Travesti como ativo e passivo R$150,00
Travesti + PG. completo para
uma pessoa + táxi R$ 250,00
Travesti + casal + PG. completo R$300,00
pg* - Programa Completo




INIMIGAS DO PRAZER

Desde 1980, aproximadamente 400 pessoas morreram contaminadas pelo vírus
HIV em Cascavel


As doenças sexualmente transmissíveis (DST), conhecidas também como doenças venéreas, são transmitidas pelo contato direto, mantido através de relações sexuais onde o parceiro ou parceira porta a doença, e indireto por meio de compartilhamento de utensílios pessoais mal higienizados como roupas íntimas, ou manipulação indevida de objetos contaminados (lâminas e seringas).
Estas doenças não afetam apenas quem trabalha na prostituição, em Cascavel, por exemplo, mais de dez mil pessoas possuem HIV e destas, apenas 1.850 sabem. Os 80 pontos de prostituição na capital do Oeste paranaense facilitam a busca por prazer e ao mesmo tempo aumentam o risco de contaminação.
 

O assistente social Joarez Antônio trabalha há 13 anos com profissionais do sexo, homossexuais, travestis, transexuais e transgêneros. “Levo orientação, encaminhamento, consulta e dicas de prevenção, como a importância de usar a camisinha”, explica.

Em Cascavel existem aproximadamente 40 travestis e ao trabalharem na prostituição a vulnerabilidade em adquirir doenças sexuais é ainda maior. Joarez explica que além dos métodos contraceptivos, é necessário “fazer o programa sexual em ambiente claro para ver no parceiro se tem uma DST ou não”. Porém, Bruna revela que as precauções, como o uso da camisinha, nem sempre são tomadas. “Quando tá no embalo gostoso, o cliente pede pra não usar camisinha. Ai depois só vou no Cedip pra ver no que é que deu”.


Segundo Joarez, 3% dos 1.850 casos positivos de HIV aconteceram por conta do uso de drogas, tendo em vista que há a contaminação através do uso e compartilhamento de objetos contaminados.
Bruna conta que nunca usou nenhum tipo de droga. “Eu não fumo, não bebo, não cheiro, não fumo maconha, não uso pedra e não injeto nada em mim, mas muitas meninas fazem isso para agradar os clientes, eles pagam mais por isso”.


O Cedip (Centro Especializado de Doenças Infecto Parasitárias) possui assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros, médicos, ginecologistas e urologistas, para atender todas as pessoas que tenham necessidade de informação sobre doenças sexualmente transmissíveis. “O Cedip é referencia nacional de atendimento especifico em HIV, AIDS, hepatite e violência sexual”, finaliza Joarez.


Informações


O Cedip esta localizado na Avenida Tancredo
Neves anexo a UPA (Unidade de
Pronto Atendimento) I e fornece informações
pelo telefone (45)3327-2575.

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